Transfobia epidêmica: os assassinatos de transexuais no Brasil

Marcelo Monteiro Psicólogo Colunista Fora da Trama

Transfobia epidêmica: os assassinatos de transexuais no Brasil crescem assustadoramente, parecendo um vírus fatal

A pandemia do Coronavírus está se potencializando mundo afora, e o Brasil não é exceção. Os altos índices de mortalidade do vírus vêm colocando o planeta em alerta há quase um ano, sendo algo inédito, até então, nessa perspectiva globalizada.

Porém, um outro fenômeno fatal vem ganhando forças a cada ano, especialmente no nosso país: a transfobia e o transfeminicídio. Apesar de igualmente aterrorizante, é espantoso ver a banalização de tal realidade, assim como a total omissão da grande mídia e dos governos com relação a essa desgraça.

Recentemente, no boletim bimestral da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (ANTRA), foi divulgado o estarrecedor – mas não raro – dado de que o assassinato de pessoas trans/ travestis (TT) teve um salto neste ano de 2020.

A pertinência desse tema é gigantesca para a nossa sociedade que, apesar de não possuir leis que permitam a discriminação e a pena de morte, endossa, com sua “moral” e cultura preconceituosa, este e outros genocídios, já rotineiros (feminicídio, homofobia, lesbofobia, racismo, intolerância religiosa etc, todos comumente terminam com derramamento de sangue inocente).

Por isso, jogar luz nesse assunto é imprescindível para repensarmos e replanejarmos a sociedade brasileira do futuro vindouro.

Aconselho aos interessades que busquem essas informações diretamente no site da ANTRA (www.antrabrasil.org), uma vez que a associação oferece balancetes bimestrais e anuais, todos atualizados e à disposição de qualquer pessoa; sendo a ANTRA uma das únicas instituições a fazer estes levantamentos no país.

Infelizmente, os índices de transfobia, crimes de ódio e, especialmente, o transfeminicídio vem apresentando saltos crescentes gigantescos. São inúmeros índices e dados; sendo, portanto impossível de condensar tudo aqui, nessas poucas linhas. Para fornecer apenas um panorama geral, trarei aqui algumas tabelas com dados recentes, almejando assim esboçar um pouco desse genocídio “epidêmico” com o público trans/ travesti brasileiro.

Dados:

Apenas em caráter introdutório, no ano de 2019 houveram 124 assassinatos de pessoas TT, sendo 121 transfeminicídios e 3 mortes de homens transgêneros.  Somente 11 culpados foram identificados, ou seja, cerca de 9% dos casos e destes somente 7% dos assassinos estavam presos (até o fechamento do dossiê da ANTRA).

É vergonhoso saber que menos de dez por cento dos criminosos foram descobertos e que só sete por cento deles estavam presos! Vale ressaltar que, respectivamente, os estados de MG, RJ e SP levaram o “ouro” no pódio de assassinatos de indivíduos TT nos anos de 2017 (o pior da história, de acordo com a associação), 2018 e 2019.

A expectativa de vida de uma pessoa TT no Brasil, de acordo com a média do último triênio, é de apenas 29,7 anos. Essa era a média de vida dos camponeses egípcios há três mil anos atrás, para se oferecer um parâmetro do absurdo que vivemos.

E pior, quanto mais nova a pessoa TT, maiores as chances de ser assassinade. Além da idade, outro dado que infelizmente não surpreende é a etnia, 82% das vítimas são negres, desnudando o racismo e a desigualdade social estrutural e histórica dessa nação com ideário escravagista até a atualidade. E, para “lacrar”, o fato de 80% dos crimes de 2019 apresentarem requintes de crueldade e 88% deles (assassinatos e tentativas) terem sido cometidos em público, sem qualquer pudor.

Vamos às tabelas, para exemplificar o caos brasileiro, que impera no ranking internacional de assassinatos TT:

TemaNº mortes oficiais de TT na América LatinaPeríodo: 2014 – 2019 (5 anos)
Brasil (1º)
844 mortes
México(2º)
244 mortes
Colômbia(3º)
188 mortes

A próxima tabela mostra o crescimento no número de transfeminicídio em cada bimestre de 2020 (até o mês de junho/ 1º semestre), totalizando 89 crimes, até então:

BimestreAssassinatos TTAumento nº casos
Janeiro – Fevereiro38 mortes= 38 casos
Março – Abril64 mortes> 26 casos
Maio – Junho89 mortes>25 casos

Entre 01 de janeiro à 31 de agosto, a ANTRA fez um balancete comparativo dentre os índices de crimes fatais contra indivíduos TT dos últimos 4 anos, conforme a tabela:

AnoNúmero de mortes
2017113 crimes
2018118 crimes
201979 crimes
2020129 crimes

Conforme é possível observar, nos oito primeiros meses de 2020, os transfeminicídios dispararam de forma crescente, batendo os anos de 2018 (com o 2º pior resultado para esse mesmo período) e de 2017 (ano com o pior índice total de assassinatos de TT da história, até agora).

Uma das hipóteses para esse aumento é a pandemia de COVID – 19, que forçou o isolamento social em muitas regiões do país, o que fez com que pessoas TT ficassem confinadas com familiares abusadores e transfóbicos, aumentando em 45% os episódios de violência doméstica contra esse público (de acordo com o IV Boletim da ANTRA, de 07/09/2020, disponível no site).

Os dados mais recentes disponibilizados pela associação, até o momento, estão no V Boletim da ANTRA, de 04/11/2020. Nele está a comparação de índices dos dez meses (janeiro a outubro) dos anos de 2019 e 2020. Ano passado, neste ínterim, 124 pessoas TT foram mortas no Brasil, enquanto em 2020 esse número já subiu para macabros 151 casos. Um aumento substancial de 22%. Quando comparado com 2017 (com 157 casos) e 2018 (com 139 ocorrências), o ano de 2020 já ocupa o segundo lugar pódio de assassinato de transexuais e travestis, indo para a primeira colocação facilmente. 

Nesse ano, até outubro (último mês computado), o estado com mais casos é São Paulo (21 mortes); seguido por Ceará (19 mortes) e Bahia/ Minas Gerais (ambos com 17 casos cada). Comparativamente com o mesmo período de 2019, os estados de MG e BA tiveram um crescimento anormal dos crimes fatais contra indivíduos TT, com aumento de 325% e 240%, respectivamente.

Não há como, em sã consciência, uma pessoa não se assustar com esses números altíssimos, e muito menos ignorá – los, como faz a grande mídia nacional e o Estado.

Conclusão

O genocídio de pessoas transexuais e travestis no Brasil se mostra uma verdadeira pandemia, cujos índices catastróficos nos evidenciam a ignorância e o preconceito social, bem como a omissão e “colaboração” estatal e da mídia de massas.

Entretanto, infelizmente, a transfobia, a LGBTfobia, não se tratam de um vírus, ao qual se pode arranjar uma vacina e imunizar imediatamente a população, mas sim de uma grave questão sistêmica, de cunho histórico – cultural e sociológico.

O ano está terminando, mas até seu fim, dezenas de outras pessoas TT inocentes serão brutalmente assassinadas e o mutismo social continuará estarrecedor. 

Colunista do Fora da Trama

Marcelo Monteiro – Psicólogo graduado pela UFTM (CRP SP147821). Especialista em Docência no Ensino Superior. Pesquisador das áreas de Saúde Mental, Sexualidade e Cultura. Psicólogo clínico Cognitivo – Comportamental, com enfoque no tratamento de transtornos de Ansiedade. Ainda, colunista do FDT nas horas vagas.

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Trabalho voluntário idealizado com o propósito de somar no combate à violência e apoiar o caminho de superação de relacionamentos abusivos. @foradatrama