carta aberta de acolhimento

Carta Aberta de Acolhimento – DO MEU EU PARA O SEU EU.

“Várias queixas de você, porque fez isso comigo?

Estamos juntos e misturados

Meu bem, quero ser seu namorado”

Essa música é a minha preferida neste momento. Tenho fases e por vezes escolho um vício em forma de música, passo dias escutando a mesma várias vezes.

Essa me fez pensar em conversar comigo! SIM, COMIGO.

Imagino que no formato original é uma declaração de um para o outro, mas aqui no nosso Universo, de colunista para leitora e de mulher empoderada para mulher empoderada gostaria que pudéssemos aprender a conversar com nós mesmas.

Já imaginou se você pudesse se abrir com si mesma a ponto de se contar que ‘tem queixas a se fazer e se perguntar porque fez isso comigo, afinal estamos juntas e misturadas e além disso, eu quero ser a minha namorada.’

Se diante do contexto atual nos fosse questionado sobre o que podemos fazer. Diria que tudo aquilo que anteriormente fora proibido pode hoje nos servir de opção.

Como se fosse uma questão de mudança de perspectiva.

Sempre quis e senti de falar muitas coisas que me disseram que eu não deveria, que eu não podia, que dizendo ou fazendo o que bem entendesse eu seria malquista… (hoje eu consigo dar risada desse tipo de opinião).

Diante da visão de mundo que podemos ter, todos esses nãos podem ser transformados em um talvez, para depois um sim, quem sabe…

É sobre isso, é sobre poder ser e, consequentemente poder fazer também. O que você quiser!

Veja, não estou te liberando para ser uma pessoa inconsequente e mesquinha, a intenção é a libertação de outras coisas. É liberdade de não ser taxada de louca só porque você é cíclica, é liberdade de fazer o que bem entender da sua sexualidade sem ser subjugada, é liberdade de levantar cedo ou tarde e respirar fundo aliviada ao perceber que você é livre.

A luta das nossas ancestrais que deram início ao feminismo tinha um propósito, nós carregamos a história de mulheres que foram assassinadas para que hoje nós tenhamos liberdade de sermos o que somos e tudo aquilo que podemos ser.

Quando nos amarramos nos laços de outros, quando deixamos de caber em nós mesmas para servir ao outro, podemos sofrer consequências catastróficas e é aí que vai caber que você cante… tenho várias queixas de você, porque fez isso comigo?

MAS, acolha-se. Acolha os erros, assim como comemorou os acertos… nós estamos juntas e misturadas, meu bem, quero ser minha namorada.

Vai soar estranho, todo esse acolhimento. Conversar consigo, fazer um esforço para se compreender, se levar para sair, dançar e cantar para você, se tocar… tudo isso parece proibido e quando o fazemos pensamos que possa vir a ser um erro, ou até, um pecado.

Acredito que seja cabível dividir com vocês um pouco da minha história até aqui, para que entendam o porquê cheguei nessas conclusões e talvez até inspirar vocês – é o que espero.

Eu me reprimi por tempos, fui estigmatizada ao permitir que outros decidissem qual era o meu lugar, visto que não era capaz, eu mesma, de me identificar, me encontrar.

Quando me perguntam sobre o Direito, eu logo adianto que fui uma péssima aluna, chegava atrasada nas aulas, faltava muito, o celular era a distração ou eu simplesmente dormia enquanto o professor lecionava.

Um completo descaso em VÁRIOS aspectos, primeiro comigo ao abrir mão do conhecimento, depois com minha família que me deu todas as condições para que eu estudasse, depois com os não privilegiados que têm que lutar e MUITO para estar numa Universidade e com meus professores que se dedicavam a preparar uma aula.

Me deparei com as verdades quando optei por enxerga-las, eu me colocava no papel de vítima.

Diante da minha autenticidade que por muitas vezes vinha (e ainda vem) acompanhada de grosseria, eu colecionei “inimigas” ao longo da vida, já ouvi por diversas vezes: tem muita gente que não gosta de você.

Válido observar: podemos e devemos ser autênticas, mas a grosseria deve ser dispensada.

Cada ser humano reage de uma forma àquilo que o incomoda e no meu caminho eu me deparei com algumas meninas que optam por demonstrar o não gostar com maldades. Já não era algo inocente mais – como na escola uma menina que não quis me emprestar o batom uma vez – era algo mais agressivo.

Praticamente foram os cinco anos do curso de uma perseguição estranhamente persistente. Em festas os copos de bebidas que elas deveriam beber eram jogados em mim, já chegaram as vias de fato ao baterem no meu rosto, assim como proferiam palavras de baixo calão o tempo todo, por vezes durante o intervalo diante de todos os colegas.

Pense, eu tinha dois fieis amigos na faculdade e o restante era um desprezo só, fui retirada do grupo de WhatsApp da sala e tinha um outro especialmente para comentários maldosos serem feitos quando eu adentrava a sala de aula.

Diante deste contexto, a minha vontade era de sumir e nunca mais ter que aparecer naquele campus, antes dessas agressões eu convivia na faculdade com meu relacionamento abusivo, em tempos ele foi atual, em tempos ele foi ex. Enfim, nada fácil.

Mas, não sinta dó. Tudo isso serviu para que eu me fortalecesse.

Desde o segundo ano da faculdade eu comecei a fazer estágios e no último ano eu passei a treinar musculação com mais frequência, então a minha vida era corrida e o meu tempo sempre preenchido de afazeres, sempre mantive também minha vida social ativa.

Terminei a faculdade em 2017, como dizem “nas coxas”, e concluí os estágios.

Era início de 2018 e eu tinha que começar a estudar para o Exame da Ordem. Comprei o cursinho e assisti as aulas, mas me sentia perdida, e então perdi o prazo para inscrição na prova. Hoje, com a ajuda do meu psicólogo, enxergo que o fiz de proposito, como forma de fugir daquilo que era minha reponsabilidade.

Passei a ter crises de ansiedade no meio do mesmo ano, não conseguia voltar para os meus objetivos, não conseguia preencher meu tempo fazendo algo para mim, tinha medo de sentar e estudar e não passar. Sem perceber o meu subconsciente pensava que se eu não estudasse eu poderia dizer: não passei porque não estudei direito. Ou seja, tinha uma desculpa.

Nesta toada a minha vida amorosa era um desastre, eu investia em relacionamentos que não existiam, me dedicava aos outros, digo no plural porque quando desistia de um colocava outro no lugar, como se substituísse meus objetos de desejos.

Eu hoje me arrependo de ter sido inconsequente com a minha própria educação por causa de outras pessoas, alheias, penso que deveria ter valorizado primeiro a mim e a minha família e não a opinião desses outros.

MAS, me acolho. E neste momento digo como se me abraçasse e me desse um sorriso.

Eu não tinha a obrigação de saber quem eu era e muito menos acredito que já tinha maturidade para lidar com tantas coisas sendo tão nova e, completamente inexperiente.

Consegui. Passei a me enxergar no papel de vítima, fui capaz de me retirar dele quando optei por tomar as rédeas da minha vida. Afinal, falar SEMPRE VÃO FALAR, mas JAMAIS vão te definir sem que você mesma permita.

Interrompi o ciclo de desastres, dia após dia. O principal: EU PEDI AJUDA.

As crises de ansiedade consistiam em me sentir segura apenas na minha casa, tudo que me fizesse sair me causava mal-estar, então passei a falar disso com minha família, sempre que o ar faltava eu chamava minha prima e ela me lembrava que respirar não é tão difícil: respira e continua.

Tive duas amigas essenciais também que me apoiavam, estavam do meu lado, me ouviam, me divertiam, eram minha distração.

O tratamento psicológico é indispensável, cada sessão uma descoberta, uma reflexão. Eu discutia muito com meu psicólogo e depois fui percebendo que na realidade estava era discutindo comigo, por querer uma coisa e não fazer por onde.

Conheci um curso diferente pra OAB que oferece até gestão da emoção, fiz o curso, assisti às aulas, fiz todos os simulados, passei de primeira na primeira fase.

Na segunda fase, RECAÍDA.

Conheci alguém, permiti que entrasse na minha vida, deixava de assistir aulas para dar atenção ao outro que não me queria bem, afinal se me quisesse bem me incentivaria a estudar. Cai na repescagem e então, voltei para o meu foco. Passei de segunda na segunda fase.

Stop. QUE SENSAÇÃO MARAVILHOSA A DA CONQUISTA.

Distribuí meu primeiro processo em agosto de 2019 e comecei a trabalhar num escritório em setembro do mesmo ano, respirei fundo, eu estava começando a mudar a minha história a partir daquilo que escolhi fazer, independente da opinião daqueles outros que nada significa.

Sou grata a todos que me ajudaram nessa caminhada, me emociono ao pensar sobre e sei que isso tudo é apenas o começo.

Mas, sou grata a mim por ter me escolhido em primeiro lugar.

Quando você entende que não necessariamente precisa estar aonde foi colocada, abre-se um leque infinito de opções para onde você pode ir porque você simplesmente PODE.

Seja curiosa, persistente e diga não a quem te disser não.

Reconheço meus privilégios sendo uma mulher branca, visto que mulheres pretas tem um histórico de criação de inferioridade infinitamente mais perverso e sofrem os reflexos de terem sido escravizadas até os dias hoje. Mas além de lidar com o machismo, tenho de lidar com rivalidade feminina todos os dias, tenho de ponderar a melhor forma de percorrer neste cenário identificando minhas responsabilidades e abrindo mão daquilo que não é “lixo” meu.

Ora venço, ora perco, ora me alegro, ora me entristeço, ora quero fugir, ora me sinto completamente confortável e no meu lugar, mas com absoluta certeza de que todos os dias me torno um pouco mais da mulher que desejo ser.

“O tempo é precioso demais pra deixar passar”.

Preencha-se de bons ideias e ótima ideias, faça planos e os execute com excelência, não permita que o tempo passe e sim faça bom proveito do que tens. Lembre-se, diante da mudança de perspectiva, as possibilidades tornam-se INFINITAS.

BOA SORTE!

Com (muito) amor, Mari.

Colunista do Fora da Trama

Mariana Flauzino – Advogada (OAB 431.278) formada pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília. Atua na área de Direito Trabalhista. Simultaneamente, é pós graduanda em Direito da Mulher e, por fim, colunista do FDT.

Está gostando do conteúdo? Compartilhe!

Compartilhar no facebook
Compartilhar no twitter
Compartilhar no whatsapp
Compartilhar no telegram
Grupo Fora da Trama

Grupo Fora da Trama

Trabalho voluntário idealizado com o propósito de somar no combate à violência e apoiar o caminho de superação de relacionamentos abusivos. @foradatrama