Heroísmo Masculino – Maior Fake News da História

carta aberta de acolhimento

A CONSTRUÇÃO DA CULTURA MACHISTA E DA CONSEQUENTE (FALSA) SUPERIORIDADE MASCULINA

Confesso que não há em mim facilidade alguma para o que quero fazer neste texto, mas sinto que não há meios de estabelecer uma ligação direta entre nós sem que sejam ditas algumas verdades.

Por vezes, em situações bastante complicadas, me dei conta de que verdades não são sempre muito bem recebidas, mas o assunto é sério e tem que ser debatido.

Peço licença ao público alvo deste cenário, nós mulheres, para falar com vocês meninos, no intuito sincero de demonstrar a necessidade urgente de que vocês se tornem homens.

Não esse homem pintado de herói, mas que por dentro se sente um fracassado; mas sim, gostaria que conhecessem um tipo de masculinidade diversa da tóxica, ou melhor, que conhecessem a formação da masculinidade tóxica para entender o quanto ela merece ser erradicada.

Agora que nos encontramos inseridos no contexto da criação histórica da inferioridade da mulher (se ainda não leu, leia o texto anterior – BELA, RECATADA E DO LAR), podemos estabelecer a relação da desigualdade com a violência facilmente.

E assim, se faz necessário incluir o outro lado da história…

Se há alguém que sofre violência, há quem a pratica; se há alguém colocado como inferior, há alguém colocado como superior.

Entendo que houve um arranjo para tanto. Tem gente ainda que enche a boca para falar que é machista e é possível compreender um homem que se diz machista – afinal vocês se beneficiam do machismo diariamente, o mundo foi arquitetado para que vocês se sentissem confortáveis em QUALQUER situação.

(Como se a vantagem fosse algo necessário para te colocar num pódio que na realidade nem existe. Quando na verdade, ao sentir dor, angústia, medo, tristeza, vocês nem menos podem falar sobre isso. Mas sentimento não é algo alheio a ninguém, sentimentos nos formam e nos regem.)

Isto posto, ser alguém obrigado a manter uma casca de superproteção, que cria um estigma de super-herói – aquele que faz tudo sozinho, faz justiça com as próprias mãos validando um comportamento violento – deve cansar.

Naturalmente, o homem não nasce de imediato um macho alfa com uma necessidade bizarra de marcar território.

O que acontece é que te ensinaram e te educaram certos padrões de comportamento do que é considerado correto para você enquanto homem, naquele padrão hegemônico: homem masculino, branco, heterossexual.

Na posição de superioridade que vocês são colocados, nós acabamos nos tornando alvo “fácil” de ser atingido e, mais do que isso, quando não obedecemos ao imposto – que é manter vocês superiores e nós inferiores – a violência parece algo legitimado pela sociedade como solução.

O homem autor de violência entende e se coloca como superior àquela mulher que foi inferiorizada, cruelmente padronizada. Válido ressaltar que sabendo dessa realidade, essa é a saída, este é o caminho para ambos se libertarem e JAMAIS uma justificativa.

Peço encarecidamente a você que se considera um machista, que a partir de hoje passe a se tornar um machista em desconstrução

Digo, retirar pedaços deste mal todos os dias, quando a partir do conhecimento, nós optamos por um comportamento diverso.

Veja, a paridade, a igualdade de gênero não está em colocar mulheres como superiores, mas sim em retirar tanto a inferioridade quanto a superioridade. Isso não é tarefa fácil e nem de uma pessoa só como um indivíduo, mas sim do todo enquanto aquilo que nós dizemos que somos: uma sociedade.

A violência contra a mulher é uma questão de direitos humanos. São violações graves à dignidade da pessoa humana. A saber, em 1993, na Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, ocorrida em Viena, pela primeira vez utilizou-se a expressão “os direitos das mulheres são direitos humanos”.

O Estado brasileiro é falho na prevenção da violência. Existem grupos reflexivos para tratar o homem autor de violência, ou seja, de forma obrigatória e diante de uma condenação pela Lei Maria da Penha, mas quando questionados sobre a mudança que o grupo traz, os apenados ponderam que poderiam ter tido uma educação não machista antes.

Pois bem, é o momento de se perguntar porque um homem autor de violência, além de se tornar autor de violência, opta por permanecer nesta situação. Estudos apontam que uma mulher pode demorar de 09 a 10 anos para denunciar a violência, ou seja, o autor de violência passa anos praticando atos ofensivos e pejorativos à outra pessoa.

Os grupos reflexivos para os homens autores de violência buscam intervir de forma coletiva com intuito de destacar e desconstruir a ideologia patriarcal/machista, para apresentar e possibilitar a construção individual e coletiva de uma socialização com equidade de gênero e formação de novas masculinidades.

Para tanto, os homens são inseridos em grupos que mantém encontros permanentes, em que eles são ouvidos e, principalmente, questionados.

São colocados frente a frente com suas atitudes, e assim falam sobre o que fizeram, enxergam o mal que causaram e percebem que foram instruídos, percebem há a perspectiva de se reabilitar.

Sendo assim, cabível um paralelo para a prevenção da violência. Ao invés de toda a atenção estar voltada para a pós condenação, vamos desconstruir e prevenir. A luta pelo direito das mulheres deve ser democrática – do todo – e para exercer esses direitos é preciso que cessem as agressões!

Começando pelo que considero mais marcante…

O olhar de vocês diz muita coisa! Digo agora como uma mulher revoltada e entristecida por todas as vezes que vocês me machucaram com um olhar. Sinto que me corrompem e invadem a minha privacidade.

Não é cabível que eu pondere a sua opinião ao escolher a minha vestimenta do dia. Por exemplo, te asseguro com completa certeza que o teu achar e o teu pensar não me interessam em nada! E quando você toma a liberdade de sobrepor seus olhos em mim, (digo aquele olhar CARREGADO de maldade e com a história da minha inferioridade, criada por vocês, enraizada nele)…

ISSO DÓI.

É assim que se inicia o assédio. Difere-se de algo maravilhosamente intenso que é a paquera, uma conexão com respeito e desejo mútuo. É que por detrás do olhar invasivo há o que se passa na sua mente e tudo fica transparente – por vezes vocês verbalizam, proferem palavras, assovios, fazem gestos obscenos.

E então, quando há junção do olhar com gestos e falas saímos do cenário do assédio para o cenário da agressão, podendo chegar nas vias de fato, numa violência mais grave como por exemplo o estupro, e até o feminicidio.

Perceba, o seu machismo me mata.

Se não tira minha vida literalmente, mata minha essência e me arranca minha liberdade. Por que você se encontra no direito de invadir e tomar meu espaço para que você ocupe algo a mais? Sendo que o que te cabe deveria ser o SUFICIENTE.

Já dizia Flora Matos, se você não liga, não entendeu NADA.

Pense comigo, os nossos instintos encontram-se domesticados, fomos colocados e nos sentimos confortáveis na nossa rotina, temos hora para comer, dormir, fazer compras, cuidar da casa, enfim, todos os afazeres que organizamos. Cada ser é um Universo e assim cada um monta seus rituais da forma que entender ser a melhor ou cabível diante de suas obrigações e direitos.

Isto posto, é perfeitamente possível que sejam controlados seu olhar, seus desejos, seus pensamentos, suas falas em relação ao outro. Pasme, não é da sua natureza ser um macho escroto, o alfa com necessidade de marcar território.

Explico. Desde o início, na sua infância, ao homem é ensinado o que é ser homem. Ocorre a supervalorização do que é macho, e tanto os meios de comunicação quanto o ambiente em que estamos inseridos disseminam a ideia de propagar a cultura da violência, da discriminação e do preconceito.

Cria-se assim uma ideologia, vista como uma produção simbólica que pode estabelecer e sustentar formas de dominação (seja em relação ao gênero, cor da pele, religião, idade, classe social, entre outros).

Nós fomos condicionados a acreditar que um homem bem vestido vale mais do que um morador de rua, que uma pessoa branca provavelmente é uma pessoa honesta e o preto provavelmente é um bandido. Fomos condicionados a acreditar que temos que inferiorizar o feminino para criar a ilusão de superioridade do masculino.

Nesta toada cria-se o que chamamos de masculinidade hegemônica, ou seja, a valorização do que é parecido com você – homem masculino, branco, heterossexual e com uma boa condição social.

Tudo que diverge e foge desse padrão hegemônico é alvo fácil e justificável de ser reprimido com violência.

Desta forma os homens machistas passam a ter dificuldades de admirar uma mulher e a procuram como forma de satisfazer apenas e tão somente os seus desejos sexuais, assim a colocando como um objeto, o que impossibilita que ela seja conhecida além da casca e admirada pelo seu conteúdo.

Afim de manter o simbolismo machista, a fuga está em manter a aparência de interesse através dessas atitudes assediadoras e desrespeitosas, fortalecendo práticas e discursos machistas e criando assim uma afetividade pobre e uma sexualidade tóxica.

Historicamente a mulher luta por espaço, para poder deixar de ser pertencente ao espaço doméstico, como queriam que fosse, para passar a ocupar espaços públicos, e procura por independência financeira, emancipação social e sexual.

A gente bate de frente com o discurso arcaico do homem que ainda nos vê e nos trata como objeto, que procura na mulher um padrão que está deixando de existir, a dona de casa, mãe, virgem (aquele exemplo de castidade criado desde Maria pela ideologia cristã).

O choque de enfrentamento é esse: o discurso da mulher mudou e do homem permanece estagnado.

A permanência na violência talvez seja pelo medo e a insegurança que um homem machista encontra ao se deparar com uma mulher livre de estigmas e dogmas.

De forma alguma estou dizendo que todos os homens são iguais. Mas, de fato, a educação/formação da maioria fora baseada na supervalorização do másculo e tudo aquilo que diverge disso é estigmatizado e julgado, principalmente através da desvalorização do feminino.

Um homem que tenha qualquer traço de comportamento parecido com o de uma mulher, como por exemplo ser mais sensível ou mais vaidoso, é posto à prova o tempo todo – principalmente a respeito de sua sexualidade. É esperado um comportamento que te valide enquanto homem. E isso é válido? Até que ponto?

Repense: não é sobre a desvalorização do homem ou do masculino. Trata-se de cessar a desvalorização da mulher e do feminino e desta forma abrir espaço para uma nova masculinidade, não tóxica, que seja ao menos mais abrangente e não hegemônica.

Preste atenção em todas as vezes que você fez, falou, decidiu algo no intuito de ser aprovado por outro ser masculino. São escolhas que talvez nem te agregam e nem fazem parte da sua essência, mas foi sentida a necessidade de validação pelo outro…

É bom? Depender de uma validação tão vazia?

Colunista do Fora da Trama

Mariana Flauzino – Advogada (OAB 431.278) formada pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília. Atua na área de Direito Trabalhista. Simultaneamente, é pós graduanda em Direito da Mulher e, por fim, colunista do FDT.

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Grupo Fora da Trama

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Trabalho voluntário idealizado com o propósito de somar no combate à violência e apoiar o caminho de superação de relacionamentos abusivos. @foradatrama